Frater Aster
(Euclydes Lacerda de Almeida)
A Serpente de Ouro
( Um Romance Iniciático)
Editora Bhavani
1996
Editora Bhavani
Copyright © 1996
CAPITULO
A Serpente de Ouro
Fiquei órfão de mãe quatro dia após meu nascimento. A partir deste fato, meu destino, sob certo aspecto estava decidido. Mas isto somente tornou-se claro para mim anos depois.
Meu pai, ainda muito jovem e sem suficientes recursos financeiros para arcar com as responsabilidades de minha criação – se é que os pais têm alguma responsabilidade para com os filhos – entregou-me aos cuidados de uma abastada família tradicional carioca. Este pais adotivos me criaram e educaram dentro dos melhores padrões existentes na época, embora demasiadamente tradicionais.
Eu nascera tão franzino que, segundo opinião médica, pouca ou nenhuma chance havia em minha sobrevivência, principalmente na falta do leite materno.
Maria, uma linda jovem mulata de dezenove anos, foi contratada, por meus pais adotivos, para suprir esta falta como ama de leite. Mãe solteira, ela dera a luz uma menina poucos dias antes de meu nascimento. Durante anos, eu e Simone – minha irmã de leite – nos relacionamos como verdadeiros irmãos. Tal fato concorreu para que qualquer tipo de preconceito racial ou social fosse arrancado, pelas raízes, de meu coração.
Graças ao vigoroso leite de Maria, consegui contradizer o fúnebre e precipitado prognóstico médico. Assim suplantei o primeiro obstáculo erguido ante mim no alvorecer de minha vida. A jovem ama de leite representou, no decorrer do tempo, e sob vários aspectos , a mais importante influência que eu sofreria nos primeiros anos de existência e, sem qualquer sombra de dúvida, de meus futuros caminhos.
Fortalecido pela energia de Maria, consegui sobreviver. Também, graças à sua influência áurica, as inatas tendências místicas e mágicas, herdadas de minha família verdadeira, vieram à tona mais rapidamente.
Maria permaneceu por longo tempo a serviço da casa como governanta. Tinha se integrado totalmente à família.
Os anos passaram...
Não havia eu completado treze anos de idade, em pleno início da adolescência, quando vivi a primeira e mais insólita experiência que um homem pode experimentar em sua juventude sob o ponto de vista de seu desenvolvimento psíquico, sexual e mágico. Experiência esta que viria a ser a precursora de outras subseqüentes, e a qual jamais seria esquecida pelo resto de minha vida. Representou minha primeira iniciação nos mistérios da vida.
Aconteceu em pleno verão de 1950.
Já me encontrava em meu quarto para dormir. Estudara o dia inteiro. Estava cansado. Dentro de quatro dias submeter-me-ia a exame de admissão ao Colégio Militar. Minha agitação e ansiedade afastavam o sono. O quarto, um amplo aposento, como era normal nas casas daqueles tempos, estava mergulhado em semi-escuridão. Meus pais adotivos, como habitualmente, encontravam-se na sala do andar térreo da casa escutando rádio; hábito comum na época. A televisão ainda engatinhava no Brasil. E nem todos possuíam um aparelho tão caro.
Com a porta e janelas abertas para minimizar o calor reinante, eu podia ver, da cama, o lindo céu, onde o crescente lunar flutuava magicamente como um barco num oceano de estrelas fulgurantes. Sempre que podia, eu apreciava as estrelas, e me sentia elevado pela luz do luar. E quando mais criança, eu queria saber de que eram feitas as estrelas e como ficavam penduradas no céu, piscando sem parar como sinais vindos do infinito. Em minha imaginação, pareciam olhos fitando o mundo aqui em baixo.
Entre dormindo e acordado, percebi um ligeiro ruído e um vulto entrando no ambiente semi-escuro. Assustei-me. Erguendo parte do corpo, percebi, aliviado, que Maria encontrava-se no solar da porta. Mas, que poderia ela estar fazendo ali àquela hora? Ia formular a pergunta quando ela levou o indicador aos lábios pedindo silêncio. Em seguida adentrou ao quarto e veio em minha direção, falando uma estranha e sonora linguagem. Singularmente, algumas palavras me pareciam familiares, outras não. Andava vagarosamente, como se flutuasse. Parou à poucos passos dos pés da cama e – eu podia ver agora – encontrava-se completamente nua, não fosse pelo colar que lhe pendia sobre os seios volumosos e bem feitos. Nua, Maria era, como eu houvera várias vezes imaginado em meus devaneios eróticos de adolescente, incrivelmente bela e atrativa. A pele, cor de chocolate, parecia cetim. O umbigo redondo e raso sobressaía no ventre tão gracioso como não poderia haver igual. Seu exuberante corpo brilhava à luz do luar entrando pela janela. Seu suor, devido ao calor reinante, corria em gotas cintilantes como pérolas até sumirem em seu aveludado púbis negro como a noite. Eram estrelas em outro espaço. O pelo entre as coxas esguias estava bem aparado, expondo o contorno de seu maravilhoso de Venus. Praticamente no início da puberdade, com o Fogo Sagrado queimando na sua base, permaneci estático, maravilhado e fascinado ante aquela inaudita visão se revelando ante meus olhos. Maria, encontra-se na plenitude da feminilidade, em seus trinta e poucos anis: bela e madura. No auge de sua sensualidade e sexualidade. Não seria necessário dizer que, no mundo, não há visão mais paradisíaca, para um rapaz, em pleno florescer do Fogo, do que aquela de uma linda mulher nua, radiante, à sua frente. Maria apresentava-se uma verdadeira estátua viva, tornando-se mais e mais visível à medida que meus olhos se adaptavam à semi-obscuridade do quarto. Seios altos, rígidos, pernas firmes, torneadas e longas, ventre liso...
Tênue claridade, como a azul luz da descarga elétrica, a envolvia como uma aura de brandas chamas, acentuando os contornos do corpo moreno. Naquele instante, lembrei-me de Iansã, o Orixá feminino do Panteão Umbandista e, ao mesmo tempo Isis, a Deusa Lunar dos Mistérios Egípcios, sobre os quais eu já houvera lido em vários livros de meu pai, um estudioso dos temas esotéricos maçônicos.
Quase sussurrando, aquela deusa encarnada à minha frente, iniciou um canto melodioso e cadenciado, enquanto movia-se num bailado de movimentos sensuais, muito parecidos com a dança do ventre. Mas não era a mesma coisa. Alí havia algo diferente, mais sutil do que o bailado oriental...
Cantava e dançava e girava em volta de imaginário ponto no centro do quarto. Os movimentos executados por Maria, em sua exótica e sensual dança, pareciam traçar as linhas de uma figura geométrica. Impossível descrever o tempo de duração daquele bailado. Perecia eterno. Ela movimentava-se, se isto é possível, em câmara lenta. Algo começou a pulsar em meu interior; e aquilo crescia e crescia. Tinha a impressão que ia sair pela boca num grito jamais dado pela garganta humana. Nas profundezas de meu ser eu soube, com absoluta certeza, que passaria pelo momento supremo de minha vida. A certeza cresceu com divinas proporções.
Subitamente, Maria parou a dança e o canto. Dirigiu as palmas das mãos em minha direção. Ilusão, ou não, vi filetes de luz saírem dali. Todo meu corpo vibrou em espasmos de prazer ao impacto daquela luz. Era como suave corrente elétrica percorrendo músculos e pele. Perdi minha identidade. Não era mais eu, mas sim aquele prazer. Tornei-me diminuto ponto sem dimensão perdido no espaço. Este ponto crescia e cresciam mas continuava sem qualquer dimensão. Percebi-me uma estrela entre milhares de outras. Eu já houvera passado por semelhante experiência quando, há alguns anos, com pneumonia, ardi em febre alta. Porém, não era a mesma coisa; não me sentia mal. Muito pelo contrário. Houve uma mudança em minha consciência. Vi-me em outros lugares e sob outras formas difíceis de serem descritas; maravilhosos uns, terríveis outros, desfilaram ante meus “olhos” como uma tela cinematográfica. Entretanto, não me assaltou qualquer sentimento de medo. Pelo contrário: eu era pura energia, e o Universo um Jardim de Delícias. E nada neste Universo poderia me afetar. Estranha sensação: eu e o Universo éramos contínuos. Eu era o próprio Universo. Tudo mais consistia em projeções de mim mesmo, de minha mente. À minha frente continuavam desfilando cenas deslumbrantes de beleza e magia, nas quais Maria tornava-se uma coruscante serpente dourada e, em seguida, adquiria a forma humana, faiscante, como se tecida de luz estelar. Acima de sua cabeça, espirais de luz subiam até ser perderem no infinito oceano de estrelas. Inúmeros pontos luminosos giravam à minha volta. Eu era aqueles pontos. Estava neles, e eles em mim.
Como se tecida de luz viva, Maria irradiava: uma flama de ouro fundindo-se em raios luminosos, faiscantes, de um colorido e beleza indescritíveis. O púbis daquela “deusa” brilhava como um negro diamante ferido pela luz violeta; seus verdes olhos eram puras esmeraldas faiscantes. Seguiu-se um interlúdio de felicidade e prazer extremos. Tomou-me uma sensação de estar mergulhado no negrume luminoso daquele Portal de delícias inimagináveis. Maria sorria. Ó meu deus! Que loucura. Meu pênis pulsava. Identifiquei-me naquele pulsar, conduzindo-me a total inconsciência. O mesmo fenômeno apareceria, anos mais tarde, e por diversas vezes, quando praticando Swastikasana, mantinha a posição por largo espaço de tempo.
Maria veio em minha direção. Mas não era mais Maria. Não andava: apenas vinha... Sorria. De seus lábios filetes de luz nasciam, como flexas de luz, na direção de meu coração.
Ela subiu na cama e se ajoelhou. E me fez sentar lentamente; mas tão lentamente que eu mal podia sentir. Desnudou-me por completo. Em seguida, chegando mais perto, cruzou minhas pernas na posição do Lotus Sagrado. Suave e delicadamente sentou-se, por sua vez, sobre meu membro entumecido, cruzando as longas pernas às minhas costas. A penetração foi profunda. Eu parecia estar me dissolvendo dentro dela. O calor irradiante do corpo de Maria envolveu-me num maravilhoso abraço; e o morno odor de sua sensualidade, misturado ao de seu doce suor, rescendia em todo o aposento. Jamais eu sentira um perfume tão inebriante. As mãos da “mulher deusa” corriam suavemente em minhas costas. Os movimentos de seus quadris eram lentos, mas profundos. A respiração fluía lenta e profunda. Nossos corpos unidos estavam envoltos em um alo de luz maravilhosa de cor rosa.
Maria movimentou os quadris para a frente, introduzindo mais fundo meu pênis em sua vagina quente e úmida. Balbuciou um Nome e permaneceu imóvel, irradiante flama divina de amor abraçando-me ternamente num mar de estrelas. Para mim jamais haveria uma visão, um felicidade tão soberba como naquele momento interminável. A não ser muitos anos depois quando “conheci” uma mulher com as características de Maria. Uma mulher que acendeu de maneira inusitada meu Fogo Sagrado. Minha percepção era uma mistura de satisfação sexual, de plenitude humana e de espiritualidade. Minha amante era uma deusa encarnada.
Agora eu sentia os movimentos gentis de contração da vulva da Maria em torno de meu membro; mas era como se no corpo inteiro... e além dele. Mas que corpo? Eu não possuía corpo, no sentido material da palavra – pelo menos esta era minha sensação no momento. O Nome foi pronunciado novamente e novamente... Somente anos depois eu viria conhecer seu significado. O tempo em que ficamos assim entrelaçados, numa profunda “adoração”, não poderia ser medido pelos padrões comuns de tempo e espaço. E jamais seriam. Uma Eternidade um segundo...
No supremo momento, Ela gentilmente pressionou-me o plexo solar. Minha respiração parou por alguns instantes. Ondas de prazer quase me sufocaram. Maria beijou-me longamente. Um Sol explodiu dentro de mim. Uma coruscante Língua de Fogo ergueu-se atravéz minha coluna dorsal, uma Serpente Dourada, atingindo um indeterminado ponto no cérebro. Minha coluna era um Phallus e meu cérebro um Kteis. O Fogo queimava, mas era prazeiroso. Paredes, teto, chão, tudo que limitava sumiu naquele clarão. “Derreti-me” dentro Dela. A partir desse momento, apenas existia Luz. Apenas existia Trevas. E Naquilo, o melodioso e suave som de uma flauta ondulava, construindo e destruindo Universos sem fim. Tudo e Nada estavam naquele som. Perdi-me num mar de indescritível falicidade.
Três dias após aquela noite, Maria foi-se embora com a filha, e eu nunca mais a vi, a não ser no memorável dia de minha...
Um comentário:
Bela História.
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